O escritor Luís Sepúlveda faleceu.
Deixamos a nossa homenagem.
Vamos ler as suas palavras.
Deixamos algumas do seu livro: História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar
“Atento,
deu um salto, pôs-se de pé nas quatro patas e mal conseguiu atirar-se para um
lado para se esquivar à gaivota que caiu na varanda. Era uma ave muito suja.
Tinha todo o corpo impregnado de uma substância escura e malcheirosa.
Zorbas
aproximou-se e a gaivota tentou pôr-se de pé arrastando as asas.
-Não
foi uma aterragem muito elegante - miou.
-Desculpa.
Não pude evitar -reconheceu a gaivota.
-Olha
lá, tens um aspeto desgraçado. Que é isso que tens no corpo? E que mal que
cheiras! -miou Zorbas.
-Fui
apanhada por uma maré negra. A peste negra. A maldição dos mares. Vou morrer -
grasnou a gaivota num queixume.
-Morrer?
Não digas isso. Estás cansada e suja. Só isso. Porque é que não voas até ao
jardim zoológico? Não é longe daqui e lá há veterinários que te poderão ajudar
-miou Zorbas.
-Não
posso. Foi o meu voo final - grasnou a gaivota numa voz quase inaudível, e
fechou os olhos.
-Não
morras! Descansa um pouco e verás que recuperas. Tens fome? Trago -te um pouco
da minha comida, mas não morras - pediu Zorbas, aproximando-se da desfalecida
gaivota.
Vencendo
a repugnância, o gato lambeu-lhe a cabeça. Aquela substância que a cobria, além
do mais, sabia horrivelmente. Ao passar-lhe a língua pelo pescoço notou que a
respiração da ave se tornava cada vez mais fraca.
-Olha,
amiga, quero ajudar-te, mas não sei como. Procura descansar enquanto eu vou
pedir conselho sobre o que se deve fazer com uma gaivota doente - miou Zorbas,
preparando-se para trepar ao telhado.
Ia
a afastar-se na direção do castanheiro quando ouviu a gaivota a chamá-lo.
-Queres que te deixe um pouco da minha comida? - sugeriu ele algo aliviado.
-Vou
pôr um ovo. Com as últimas forças que me restam vou pôr um ovo. Amigo gato,
vê-se que és um animal bom e de nobres sentimentos. Por isso, vou pedir-te que
me faças três promessas. Fazes? – grasnou, sacudindo desajeitadamente as patas
numa tentativa falhada de se pôr de pé.
Zorbas
pensou que a pobre gaivota estava a delirar e que com um pássaro em estado tão
lastimoso ninguém podia deixar de ser generoso.
-Prometo-te
o que quiseres. Mas agora descansa – miou ele compassivo. -Não tenho tempo para
descansar.
Promete-me
que não comes o ovo – grasnou…"
Esta é a história de Zorbas, uma gato grande, preto e gordo.
Um dia, uma formosa gaivota apanhada por uma maré negra de petróleo deixa ao
cuidado dele, momentos antes de morrer, o ovo que acabara de pôr.
Zorbas, que é um gato de palavra, cumprirá as duas promessas
que nesse momento dramático lhe é obrigado a fazer: não só criará a pequena
gaivota, como também a ensinará a voar. Tudo isto com a ajuda dos seus amigos
Secretário, Sabetudo, Barlavento e Colonello, dado que, como se verá, a tarefa
não é fácil, sobretudo para um bando de gatos mais habituados a fazer frente à
vida dura de um porto como o de Hamburgo do que a fazer de pais de uma cria de
gaivota…
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